Tudo se conjugava para um desastre monumental. Os motores desligados não permitiam o funcionamento do ar condicionado, a sensação claustrofóbica aumentava a cada minuto e as crianças, não obstante o seu melhor esforço, começam a dar sinais de inquietude. Imagine-se dentro do espaço apertado de um 737 da KLM, há três horas parado na placa do aeroporto de Lisboa, esposa e filhos incluídos e a promessa de uns dias fantásticos na Disneylândia cada vez mais distantes. De bradar aos céus, certo?

Nem por isso: a tripulação, armada com umas escassas garrafas de água, bolachas de água e sal, uns pequenos blocos com figuras para colorir e lápis de carvão (a preto, sim), deu uma lição de como gerir uma potencial crise emocional aos mais de cem passageiros.

O Comandante deu o primeiro passo, assumindo aos microfones do aparelho voador, a sua responsabilidade por nos ter feito embarcar em plena greve dos controladores aéreos. “Acredito que vamos conseguir, ontem também foi assim e conseguimos partir. Desculpem se me tiver enganado”. E não se enganou. Ainda conseguiu utilizar aquela a que chamou a sua “arma secreta” – crianças ao cockpit – e animar os últimos 45 minutos de espera antes de decolarmos em direção ao nosso destino. O resultando deste potencial desastre saldou-se numa viagem muito divertida, que ainda hoje recordamos e de várias fotografias memoráveis com os 4 miúdos aos comandos de um 737, todos com o respectivo boné do Comandante.

Mas o que tem a haver este episódio com a (in)possível gestão das Pessoas? Já lá vamos em 30 segundos.

Este Verão, a Família aproveitou uns dias nas margens do Douro para descansar. Se a paisagem – ainda antes dos incêndios – é um monumento à criação, a unidade hoteleira não lhe ficava atrás. Mas o que nos marcou não foram as linhas fluidas do hotel enquadradas nas margens verdejantes do rio, nem a beleza das suas águas. O jantar da 1ª noite foi servido, não no restaurante como tantos outros, mas numa pequena mesa exterior de onde se avistava o reflexo prateado da lua na superfície do Douro, por debaixo de uma árvore centenária, com os pés descalços na relva selvagem. Uma verdadeira delícia que perdurará na nossa memória durante muitos anos. Era vulgar fazerem isto a todos os hóspedes? Não, nem pensar. E tão pouco o pedimos: apenas conversamos entre nós o quão radical seria jantarmos naquele local ao invés do tradicional restaurante, enquanto a chefe da recepção por ali passava. Assim o ouviu, melhor planeou e abordou-nos com a ideia: “se se apertarem um pouco, consigo trazer uma mesinha de apoio e servir-vos o jantar aqui mesmo. Gostariam?” Acho que me vou lembrar do rosto da garota, secretamente satisfeito perante a nossa estupefação, durante muitos anos.

(In)possível gestão das Pessoas?
Já é claro para si onde quero chegar, certo? Não foram recompensas monetárias pelo atraso que nos deixaram apaixonados por aquela tripulação da KLM: nem tão pouco os pratos de assinatura ou os magníficos lençóis de algodão nacional que nos farão regressar ao Douro. Foi a sinceridade do Comandante, o sorriso genuíno e tranquilidade da sua tripulação, foi a iniciativa da Joana e o esforço da sua equipa (sim porque trazer pratos, copos, talheres e velas para o meio do jardim em pleno crepúsculo, não é fácil), satisfeitíssimos por poderem concretizar a ideia de um jantar tão invulgar.

  • Foram apenas Pessoas que se transcenderam muito para além da sua descrição de funções e “obrigações”. E serão sempre elas (e eles) que farão a diferença.

E eis que chegamos ao cerne da questão, à razão deste título.
Quando analisamos o crescimento (e desenvolvimento) da hotelaria e da restauração em Portugal, estamos perante duas realidades distintas. Por um lado os indicadores económicos e de gestão: o crescimento do número de visitantes, quantas unidades que serão inauguradas em 2018, o peso do setor no PIB (e outros dados que nos fazem corar de orgulho, tão pouco habituados que estamos a tanto elogio nacional e internacional).
Nos antípodas deste ângulo de análise estão as Pessoas. Ora não existem em número suficiente ou as que estão disponíveis não possuem nem a competência, nem a experiência suficientes para fazerem face a este incrível ritmo expansionista.
Os meus colegas dos recursos humanos apontam como receitas possíveis, a melhoria dos processos de integração, a necessidade de formação, os planos de carreira, melhores condições laborais, horários menos assoberbados. Os empresários do setor reclamam por maior flexibilidade laboral, custos fiscais mais reduzidos e outros atores juntariam aqui outras tantas receitas de índole similar.

Pois eu digo-vos que o essencial são as histórias. Faltam-nos os testemunhos das pessoas que fazem o dia-a-dia desta indústria, falta-nos a visão positiva daqueles que, com um enorme orgulho, servem de forma profissional e abnegada. Faltam reportagens, vídeos, posts nas redes sociais, blogues e artigos que falem das Pessoas que trabalham na indústria. Faltam-nos mais histórias. Falta-nos vendermos “dentro de casa” o desejo irresistível em particip

armos neste movimento único.
Das dezenas de sites (hotéis, empreendimentos turísticos e restauração) que visito semanalmente, apenas um reduzido número – estou a ser simpático – tem a preocupação de falar nas suas equipas e, na maioria dos casos, são conteúdos tão artificiais que até aflige. Quando se fala de recrutamento somos normalmente dirigidos para o rodapé do site onde, sem arte ou engenho, somos confrontados com frases feitas, formulários de candidatura do tamanho de impressos do irs e pouco mais. Conteúdo que me propicie uma boa experiência, vontade de trabalhar naquele local, desejo de fazer carreira neste setor, nem vê-lo. Custará assim tanto desenvolver umas landing pages para recrutamento, ativar campanhas de facebook ads e google adwords sem falarmos na dimensão do quarto, do Chef, da vista deslumbrante? Não conseguimos produzir vídeos de testemunhos reais, de histórias de sucesso das nossas Pessoas e difundi-las no espaço cibernético, “vendendo” aquilo que mais precioso possuímos em Portugal, os Portugueses?
Um pouco de humanização trará de dentro da indústria (in) a solução para uma gestão possível do ativo humano. Basta que a preocupação não continue a ser “apenas” a classificação do Zomato ou do Trip Adviser sobre a qualidade da suite ou do wi-fi.

Para a tripulação do 737 da KLM tudo tinha falhado, mas ultrapassaram o problema preocupando-se genuinamente com os seus passageiros. A Joana e a sua equipa motivaram-se apenas em proporcionar àquela Família, um momento inesquecível. Eram temporários, trabalhadores do quadro ou contratados a prazo? Não sei e estou seguro que nenhum desses fatores os limitou nas suas ações.

Quantas estrelas valem afinal estes momentos? E quantos mais se juntarão a esta indústria se conhecerem estas histórias?

By Rui Guedes de Quinhones, National Marketing & Sales Manager @ Adaptel Portugal.

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